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BioHub da OMS, um “cofre” na Suíça para armazenamento de agentes patogénicos

Acelerar a partilha científica e o combate a futuras pandemias é o objetivo do projeto BioHub da Organização Mundial de Saúde, que dá agora os primeiros passos na Suíça. Saiba o que é e como irá funcionar.

27 Jul, 2021
6 min de leitura

E se alguns laboratórios de excelência fossem também armazéns globais – altamente seguros – de vírus ou bactérias, facilitando a partilha rápida com investigadores de todo o mundo? Esta é a proposta do sistema BioHub da Organização Mundial de Saúde (OMS). Um laboratório em Spiez, Suíça, vai ser o primeiro “cofre” deste sistema, cujo início de trabalhos está previsto para este verão.

A rápida propagação do vírus SARS-CoV-2, responsável pela Covid-19, permitiu à comunidade científica tirar diversas lições para o futuro. Uma delas é a necessidade de uma partilha mais ágil de informação, com investigadores e laboratórios de todo o mundo, sobre doenças infeciosas emergentes. Uma maior rapidez a este nível permite, por um lado, que o mundo seja mais eficaz a responder a novas epidemias, mas também acelerar o desenvolvimento de futuros tratamentos e vacinas.

 

Esta é, precisamente, a base do sistema BioHub da OMS, anunciado ao mundo em novembro de 2020. O sistema baseia-se na implementação de infraestruturas de armazenamento de materiais biológicos com potencial epidémico ou pandémico (agentes patogénicos como vírus ou bactérias), em um (ou mais) laboratórios de elevada segurança.

Atualmente, a partilha deste tipo de materiais biológicos é feita através de acordos bilaterais entre países, que podem demorar meses ou anos a negociar. O sistema BioHub não pretende, contudo, substituir ou interferir nos acordos de partilha bilaterais existentes (ou futuros).

As amostras armazenadas, provenientes da contribuição voluntária de países membros da OMS, podem depois ser cultivadas, analisadas e sequenciadas no laboratório BioHub – e partilhadas rapidamente (e em segurança) com outros laboratórios e entidades qualificadas de todo o mundo. O modelo permite concentrar esforços globais de investigação contra novos agentes patogénicos e partilhar rapidamente avaliações de risco entre os vários países.

 

O armazenamento de agentes patogénicos não é, contudo, uma ideia nova: biobancos e redes europeias/internacionais de partilha de materiais biológicos são algumas das soluções já existentes atualmente. O que a OMS pretende é centralizar este armazenamento e partilha à escala global, baseada na ideia de que esta abordagem é essencial para acelerar o conhecimento científico mundial e uma resposta mais rápida a novas ameaças.

 

Em maio de 2021 foi anunciado que o primeiro centro BioHub será criado num laboratório suíço, em Spiez. O laboratório foi escolhido pela sua proximidade a Genebra, sede da OMS, e por ser uma infraestrutura com o nível mais elevado de biossegurança.

Como funcionará o sistema BioHub?

A prioridade inicial do BioHub é clara: armazenar e estudar variantes emergentes do SARS-CoV-2 para identificar rapidamente mutações de maior risco.

Com o início dos trabalhos no laboratório de Spiez previsto para julho, o sistema da OMS dá agora os seus primeiros passos.

 

Numa primeira fase piloto – e tendo em conta o contexto atual de pandemia –, o foco do BioHub será o armazenamento e avaliação de materiais biológicos relacionados com o vírus SARS-CoV-2 e respetivas variantes. Cabe a uma comissão consultiva do laboratório definir que variantes podem ser relevantes e armazenadas nas instalações do BioHub.

 

Depois da fase piloto, o âmbito do sistema será alargado a outros agentes patogénicos e a rede de parceiros e laboratórios será também ampliada. Prevê-se que esta fase se inicie em 2022.

 

Seja com o SARS-CoV-2, seja com outros agentes patogénicos, o princípio de funcionamento do sistema BioHub mantém-se: os países interessados partilham voluntariamente os seus materiais biológicos com o centro (ou centros) BioHub. É aqui que as amostras serão depois estudadas e avaliadas. Os resultados obtidos serão partilhados com o mundo, assim como possíveis medidas de resposta para contenção de epidemias. Além disso, poderão ser preparados envios seguros de materiais biológicos a outros laboratórios, por todo o mundo, devidamente qualificados para o efeito.

 

Nas fases iniciais do projeto, apenas serão partilhados materiais para fins não comerciais. Posteriormente, o objetivo é alargar a partilha para outros usos, já de âmbito comercial, de forma a contribuir também para um desenvolvimento mais rápido de tratamentos, vacinas e outros produtos de saúde pública. Como resultado desta partilha, a OMS espera que seja assegurado um acesso justo e equitativo destes produtos em todos os países.

 

Sob o mote de “uma nova era de cooperação internacional”, são claras as esperanças da OMS para este projeto: acelerar a partilha global de conhecimento, diminuir o tempo de resposta a novas ameaças biológicas e criar as bases para novos medicamentos e vacinas acessíveis em todo o mundo. Numa ótica de progresso da saúde pública global, espera-se que os resultados práticos do sistema BioHub estejam à altura das ambições.

E o Protocolo de Nagoya?

A implementação deste projeto da OMS levanta questões ao nível do Protocolo de Nagoya sobre o acesso a recursos genéticos e partilha justa e equitativa dos benefícios provenientes da sua utilização. Este é um tratado internacional de 2010 (cuja vigência internacional começou em 2014) e que traz maior segurança legal e transparência para quem partilha e quem utiliza recursos genéticos – incluindo agentes patogénicos -, contribuindo para garantir que o país de origem deste tipo de material terá acesso, de forma justa e equitativa, à partilha de benefícios decorrentes da sua utilização. É o caso, por exemplo, de recursos genéticos que são depois usados, de forma comercial, para a produção de medicamentos.

 

Com a centralização do armazenamento de agentes patogénicos no sistema BioHub, como ficam salvaguardadas as orientações do Protocolo de Nagoya?

 

Esta tem sido uma questão amplamente debatida no âmbito da própria OMS, com contributos dos diversos estados membros – e uma posição mais crítica dos países em desenvolvimento, que reforçam a necessidade de garantir a partilha de benefícios com o país de origem dos materiais biológicos, sobretudo quanto estes são usados para criar produtos comerciais.

 

Por enquanto – e nesta fase piloto –, a prioridade da OMS é consolidar as bases técnicas do projeto. Ou seja, testar o próprio conceito e funcionamento do sistema BioHub. A organização reconhece que, posteriormente, será necessária maior reflexão no alinhamento do sistema com o Protocolo de Nagoya. Em entrevista ao The Scientist, a diretora do departamento da OMS de preparação global para os riscos infeciosos, Sylvie Briand, referiu que será preciso desenhar, por exemplo, um acordo de transferência de material que esteja em conformidade com o Protocolo para que os países signatários (Portugal incluído) possam partilhar amostras biológicas com o BioHub.