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Demência: para quando uma vacina contra o Alzheimer?

Conhecida como a “epidemia silenciosa”, a doença de Alzheimer vai atingir um número cada vez maior de pessoas durante as próximas décadas. O desenvolvimento de uma vacina contra o Alzheimer emerge, assim, como uma prioridade de saúde pública.

20 Set, 2021
9 min de leitura

Paralelamente aos tratamentos disponíveis para controlar a evolução dos sintomas da doença, a comunidade científica trabalha, há décadas, no desenvolvimento de uma vacina contra o Alzheimer, que seja eficaz e segura. Conheça as abordagens e os progressos protagonizados por quatro vacinas experimentais.

Mais de 100 anos depois de ter sido identificada pela primeira vez, a doença de Alzheimer continua sem uma resposta para a sua cura. A complexidade do funcionamento do cérebro e, em particular, dos mecanismos que desencadeiam a degeneração cerebral têm constituído um verdadeiro desafio à ciência.

 

Diversos laboratórios estão a apostar no desenvolvimento de vacinas que sejam capazes de travar esta doença. A maioria destas propostas incide no impedimento à acumulação de duas proteínas associadas ao desenvolvimento do Alzheimer:

 

  • Proteína Tau, responsável pela formação de microtúbulos (importantes na comunicação entre neurónios). Nos doentes com Alzheimer, está correlacionada com o aparecimento dos emaranhados neurofibrilares, que destabilizam os microtúbulos, conduzindo à morte dos neurónios.
  • Proteína beta-amilóide, que está na origem da formação das placas senis que impedem a função dos neurónios no cérebro.

Saiba, com mais detalhe, como funcionam as vacinas experimentais que estão a ser desenvolvidas no combate à demência.

Uma doença, quatro hipóteses experimentais de uma vacina contra o Alzheimer

55 milhões de pessoas sofrem de demência, em todo o mundo. Em 2050, poderão ser 139 milhões de pessoas (estimativas OMS).

A doença de Alzheimer caracteriza-se pelo declínio progressivo de diversas funções cognitivas como a memória, o pensamento, a orientação e a linguagem, entre outras, e a sua prevalência aumenta com a idade. À medida que os sintomas progridem, os doentes vão perdendo a autonomia e a capacidade funcional, tornando-se dependentes da ajuda de outras pessoas para a realização das tarefas do dia a dia.

 

O impacto desta patologia nos sistemas de saúde, mas também no plano social e económico levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a reconhecer a demência como uma prioridade de saúde pública. Na verdade, as previsões apontam para que, em 2030, os custos globais associados à demência – cuja forma mais comum é a doença de Alzheimer – ultrapassem os 2,8 biliões de dólares.

A Doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência (60% e 70% dos casos). Para sensibilizar a opinião pública para a doença – e combater os estigmas associados – o Dia Mundial da Pessoa com a Doença de Alzheimer celebra-se a 21 de setembro.

Numa corrida contra o tempo para debelar os problemas que se avizinham num futuro próximo, farmacêuticas e centros de investigação em todo o mundo apostam no desenvolvimento de tratamentos que permitam atrasar o desenvolvimento dos sintomas da doença e também na criação de uma vacina contra o Alzheimer. Aqui ficam alguns exemplos.

 

  • AADvac1

Um dos passos mais recentes no desenvolvimento de uma vacina para a doença de Alzheimer surgiu pela mão da biotecnológica Axon Neuroscience. Esta empresa eslovaca revelou no passado mês de junho os resultados dos ensaios clínicos da fase 2 da vacina AADvac1, desenhada para atingir a proteína Tau, evitando a morte dos neurónios.

 

Os ensaios da Axon Neuroscience duraram 24 meses e envolveram 196 pacientes, provenientes de oito países europeus. Os resultados mostraram uma redução significativa da acumulação dos níveis de neurofilamento leve (NFL), um importante biomarcador no diagnóstico de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Além disso, 98,3% dos participantes registaram uma resposta imunitária robusta após seis doses da vacina, ao produzirem anticorpos contra a forma patológica da Tau.

 

Apesar de os sinais serem promissores, os responsáveis pelo ensaio referem que os resultados devem ser interpretados com cautela e precisam de ser confirmados com novos estudos.

 

  • UB-311

Esta vacina experimental está há anos a ser desenvolvida pela United Neuroscience (entretanto, renomeada de Vaxxinity) – a mesma empresa que também trabalha na criação de uma vacina para a doença de Parkinson.

 

A UB-311 é uma vacina peptídica sintética amilóide. Em termos resumidos, o objetivo da vacina é estimular o sistema imunológico dos pacientes para atacar a proteína beta-amilóide (Aβ), travando a sua acumulação no cérebro, bem como a formação de placas e, assim, impedir a perda das funções cognitivas.

 

Em 2019, a empresa anunciou resultados promissores dos ensaios relativos à fase II. Os resultados dos ensaios clínicos mostram que a vacina foi bem tolerada pelos pacientes e conseguiu estimular a produção de anticorpos anti-amilóide beta. De acordo com a informação divulgada pela empresa no início deste ano, os ensaios para a fase III deverão “começar em breve”, mas ainda sem data prevista.

 

  • ABvac40

Desenvolvida pela empresa espanhola Araclon Biotech, a ABvac40 destaca-se por ser uma vacina que tem como principal alvo o peptídeo beta-amilóide 40 (Aβ40), que é um dos mais abundantes na doença de Alzheimer. O objetivo desta vacina é desencadear uma resposta imunitária para estimular a produção de anticorpos específicos contra o peptídeo Aβ40 e, com isso, ajudar a limpar as placas amilóides e proteger as células cerebrais.

 

A ABvac40 encontra-se neste momento na fase II dos ensaios clínicos, envolvendo um grupo de 120 participantes. Os resultados completos deverão ser divulgados em 2022. Nos ensaios da fase I, cerca de 90% dos participantes que receberam três injeções da ABvac40 desenvolveram anticorpos específicos contra o peptídeo Aβ40.

 

  • ACI-35.030

Desenvolvida pela AC Immune, em colaboração com a Janssen, é uma vacina lipossomal (micro-gotículas de gordura), desenhada para induzir a produção de anticorpos contra a Tau fosforilada. A ACI-35.030 está a ser desenvolvida tendo por base a investigação feita anteriormente pela AC Immune na criação da vacina ACI-35, cujos ensaios clínicos terminaram em 2017. Os resultados preliminares mostraram que a vacina era segura, mas revelaram uma resposta imunológica fraca.

 

Em julho de 2019, a AC Immune e a Janssen iniciaram ensaios clínicos adicionais para testar a segurança e a eficácia da ACI-35.030. Embora o estudo esteja concluído apenas em 2023, a AC Immune divulgou um comunicado em fevereiro deste ano onde refere que os resultados preliminares apontam para a geração de uma “resposta potente” de anticorpos específicos contra a Tau nos participantes com sintomas leves de demência.

 

Estes são apenas alguns exemplos de vacinas contra o Alzheimer que estão a ser estudadas com o foco nas causas da doença. No entanto, sabe-se hoje que a administração de outros tipos de vacinas – desenvolvidas para prevenir outro tipo de doenças – pode também contribuir para diminuir o risco de desenvolvimento deste tipo de demência.

 

Três estudos, apresentados durante a Alzheimer’s Association International Conference de 2020, mostraram, por exemplo, que uma única dose da vacina contra a gripe pode reduzir em 17% o risco de desenvolver Alzheimer. Já a vacina contra a pneumonia está associada a uma redução de até 40% do risco de Alzheimer nas pessoas entre os 65 e os 75 anos.

 

Os mecanismos biológicos para esta aparente proteção são ainda desconhecidos, mas contribuem para a complementação de algumas evidências de que certas vacinas podem, além de proteger contra a doença para as quais são designadas, proteger também contra o desenvolvimento de certas doenças não-infeciosas. Estes resultados contribuem para reforçar os benefícios e a importância da vacinação.

Saiba mais sobre os benefícios da vacinação no artigo “De um para todos: a importância da vacinação”

Como combater a doença enquanto não se encontra uma cura?

Uma das principais dificuldades que os cientistas enfrentam no desenvolvimento de uma vacina que permita tratar e prevenir o Alzheimer reside na seguinte questão: como estimular a produção dos anticorpos certos para combater as causas do Alzheimer sem causar inflamações ou outros efeitos colaterais graves?

 

Na memória da comunidade científica está o caso da vacina experimental contra o Alzheimer – a AN-1792 – desenvolvida há 20 anos pela Johnson & Johnson: os resultados dos primeiros ensaios eram promissores, mas durante um estudo da Fase II cerca de 6% dos participantes desenvolveram uma inflamação cerebral grave, o que conduziu à interrupção do estudo.

 

Assim, e enquanto a ciência não encontra uma solução segura e eficaz para esta doença, a prevenção é a melhor arma de combate contra o Alzheimer. Como fazê-lo? Apesar de a idade ser o principal fator de risco, alguns estudos mostram que as pessoas podem reduzir o risco de declínio cognitivo e de demência “ao serem fisicamente ativas, não fumando, evitando o consumo excessivo de álcool, controlando seu peso, tendo uma dieta saudável e mantendo níveis saudáveis de pressão arterial, colesterol e açúcar no sangue”, explica a OMS.

 

Além destes aspetos existem outros fatores de risco adicionais – como a depressão crónica, o isolamento social, o baixo nível de escolaridade ou a poluição do ar – que também estão associados ao desenvolvimento da doença de Alzheimer.