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Certificado de vacinação, um “incentivo para mais pessoas se vacinarem”

Celso Cunha e Jorge Seixas, especialistas do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA), ajudam a perceber quais são as vantagens e limitações do certificado de vacinação para a Covid-19.

16 Mai, 2021
8 min de leitura

À medida que as vacinas contra a Covid-19 chegam a mais pessoas em todo o mundo, têm surgido iniciativas e propostas para a criação de passaportes ou certificados de vacinação que facilitem a circulação das pessoas. Vários países, como a China e Israel, já estão a implementar estes certificados. Na União Europeia (UE), o Certificado Digital Covid-19 entrará formalmente em vigor a 1 de julho de 2021, com o objetivo de apoiar a livre circulação segura das pessoas. No âmbito desta iniciativa, os primeiros certificados portugueses já começaram a ser emitidos. 

A medida está, no entanto, longe de ser consensual. São muitas as reticências em relação à proteção dos dados pessoais dos portadores destes certificados de vacinação e, além disso, crescem as preocupações de que este documento crie situações discriminatórias entre quem tem a vacina e quem não a tem, aprofundando as desigualdades entre os países, numa altura em que as vacinas ainda são um bem escasso.

 

Para Celso Cunha, virologista e diretor da Unidade de Microbiologia Médica do IHMT-NOVA, e Jorge Seixas, médico e professor da Unidade de Clínica Tropical no mesmo instituto, estes certificados poderão ser um bom instrumento para ajudar os países a reporem alguma normalidade no funcionamento da sociedade, embora a sua real eficácia ainda careça de mais esclarecimentos.

Como perspetivam a criação de um passaporte europeu de vacinação para a Covid-19? É uma boa medida?

Celso Cunha (CC): Convém salientar que a proposta que está em cima da mesa não é bem a criação de um passaporte de vacinação. Os passaportes de vacinação internacionais existem há muito tempo e são uma condição obrigatória para entrar em alguns países. Por exemplo, quem quiser viajar para Angola terá de ter o certificado internacional de vacinação para a febre amarela. No caso do certificado que vai entrar em vigor na UE, trata-se mais de atestar que um determinado indivíduo foi vacinado ou já teve Covid-19 – e supostamente tem algum tipo de imunidade –, ou que fez um teste [com resultado negativo] nas últimas 72 horas. Em qualquer uma dessas situações será atribuído o certificado, que pode ser digital ou em formato papel. Este documento funciona como um atestado de que o seu portador tem pouca probabilidade de transmitir a infeção a outras pessoas.

E quais são os principais benefícios deste Certificado Digital Covid-19?

CC: Na minha opinião será um instrumento mais útil à economia, pois vai permitir aos europeus moverem-se dentro do espaço da União Europeia, com mais facilidade e menos restrições. Por outro lado, se o certificado for reconhecido como válido por outros países fora da UE, pode contribuir também para o relançamento das economias, das exportações e de toda a cooperação que temos com outros países.

 

Jorge Seixas (JS): Concordo com a opinião do Celso. O certificado tem como primeiro objetivo trazer as pessoas de novo a uma vida normal. Naturalmente, isso significa também a reabertura das economias. Acredito que pode ter um efeito positivo enquanto incentivo para mais pessoas se vacinarem contra a Covid-19. Com isso, será gerada uma maior segurança para os profissionais que estão na linha da frente quando as economias reabrirem. Refiro-me, por exemplo, aos funcionários dos serviços de hotelaria, aeroportos, cinemas ou restaurantes. Todas estas pessoas podem beneficiar deste movimento porque vão contactar com cidadãos que, em princípio, estão protegidos e terão uma probabilidade muito menor de transmitir a infeção.

Até porque o facto de uma pessoa ter o certificado de vacinação não significa que não possa transmitir o vírus…

JS: Se a pessoa estiver vacinada, tem anticorpos que a protegem contra a doença grave. Mas a vacina não impede que haja uma infeção, sem manifestações clínicas. Esta é, aliás, uma característica típica das vacinas: as pessoas vacinadas podem ser infetadas e não adoecer. Esta questão [da transmissibilidade] pós-vacinal está a ser estudada e ainda não está plenamente esclarecida. Ainda assim, a carga viral [de um indivíduo vacinado que seja infetado] deverá ser menor.

 

CC: Isto levanta uma outra questão: a validade deste certificado. O que está estabelecido é que o período máximo de validade do certificado europeu para pessoas que já foram infetadas é de 180 dias, não existindo validade máxima prevista para os certificados de pessoas vacinadas. Esta questão da duração da validade está dependente das evidências científicas que vão surgindo, uma vez que ainda há muito em aberto. Em relação às pessoas que já foram infetadas, não temos certezas sobre o tempo que dura a sua imunidade. O mesmo no que diz respeito aos vacinados: também ainda não sabemos quanto tempo dura a imunidade gerada pela vacina.

E que outras dúvidas identificam na implementação de um certificado de vacinação?

CC: Há questões práticas para as quais é necessário dar uma solução. Por exemplo, imagine que toma a vacina da AstraZeneca e, como tal, recebe um certificado que atesta que pode viajar. Mas se quiser viajar para a África do Sul – país que não reconhece a vacina da AstraZeneca para combater a variante dominante que circula no território – o que acontece? Pode entrar naquele país ou não?

 

JS: Mesmo dentro da União Europeia, surgem outras dúvidas. Um cidadão para circular sem restrições dentro da UE vai ter de ter uma das vacinas autorizadas pelas autoridades europeias. Mas se formos ler o comunicado da Comissão Europeia sobre a proposta de criação do Certificado Digital Covid-19, vemos que os países da União Europeia poderão aceitar a entrada de viajantes com outras vacinas que ainda não estão aprovadas pelas autoridades, como é o caso das vacinas chinesas e da vacina russa. Será coerente? Tudo isto mostra como este é um processo que ainda está em construção.

Apesar das dúvidas que subsistem sobre estes certificados, consideram que este documento vai passar a fazer parte do nosso dia a dia?

CC: Sim, vai passar a fazer parte da rotina e acredito que será por muitos anos.

 

JS: Concordo e acredito que o setor privado vai tomar a dianteira neste tema, mesmo antes dos Governos. Porque já hoje temos algumas empresas privadas, nomeadamente transportadoras aéreas e operadores de navios de cruzeiro, que exigem o certificado de vacinação.

E que lições podemos retirar do passado? Esta é a primeira epidemia em que se implementam certificados de vacinação?

JS: Sim, mas o certificado de vacinação não é uma medida compulsiva nova. Recordo que no passado, em muitos países, Portugal incluído, se uma criança queria entrar numa escola pública tinha de mostrar o seu certificado/boletim de vacinação, em nome da proteção da saúde pública. Foi assim que conseguimos praticamente eliminar a difteria e a tosse convulsa, entre outras doenças, salvando a vida a milhões de pessoas.

Fotografia por Ana Catarina Alves/IHMT

Como vai funcionar o Certificado Digital Covid-19 da UE?
  • O Certificado Digital Covid-19 da UE resulta de uma proposta da Comissão Europeia para facilitar a livre circulação segura dos cidadãos da União Europeia no atual contexto de pandemia. O certificado será a prova de que uma pessoa: foi vacinada contra a Covid-19; ou fez um teste com resultado negativo; ou foi infetado com o SARS-CoV-2, mas está recuperado (tendo adquirido algum tipo de imunidade).

 

  • Terá as seguintes características principais:
    – Atribuído em formato digital e/ou papel.
    – Inclui código QR.
    – Redigido na língua nacional e em inglês.
    – Gratuito.
    – Válido em todos os países da UE.
  • O Certificado Digital Covid-19 vai entrar formalmente em vigor nos 27 Estados-Membros a 1 de julho de 2021. Em Portugal, os primeiros certificados começaram a ser emitidos a 16 de junho e podem ser consultados no portal do SNS.

 

  • O Certificado vai conter apenas informações consideradas essenciais, tais como nome, data de nascimento, Estado-Membro emissor e um identificador único do certificado. Além disso, o documento conterá as seguintes informações, consoante a natureza do certificado:
    – Para um certificado de vacinação: nome e fabricante da vacina, número de doses, data de vacinação.
    – Para um certificado de teste: tipo de teste, data e hora do teste, centro de testes e resultado.
    – Para um certificado de recuperação: data do resultado positivo, emissor do certificado, data de emissão, data de validade.