Como prevenir a transmissão de doenças infeciosas em ambiente escolar? Para diminuir o risco de transmissão do vírus SARS-CoV-2, responsável pela Covid-19, alguns estabelecimentos de ensino optaram pelas aulas no exterior. A estratégia não é nova: há 100 anos, as escolas ao ar livre foram um modelo de sucesso para prevenir uma outra doença grave altamente contagiosa, a tuberculose.
Escolas ao ar livre: estratégia de 100 anos contra a tuberculose
As escolas ao ar livre começaram a surgir no início do século XX como estratégia para prevenir a tuberculose. Conheça a história, veja as imagens e saiba como evoluiu este modelo até aos dias de hoje.
Em tempos da atual pandemia, uma das principais preocupações dos governantes de todo o mundo foi criar condições para que o processo de aprendizagem das crianças e jovens não fosse interrompido pelos constrangimentos causados pela Covid-19. Com o recurso à tecnologia e às plataformas digitais foi possível, mesmo em confinamento, os professores continuarem a lecionar e os alunos puderam assistir às aulas, ainda que remotamente.
Mas no passado, quando a humanidade se confrontou com outros surtos de doenças infeciosas e sem o acesso à tecnologia moderna, como funcionavam as escolas? E que estratégias foram implementadas para minimizar os contágios nas escolas? A história mostra-nos que, há 100 anos, as taxas de mortalidade causada pela tuberculose levaram a que se procurassem novos modelos de ensino, com maior proteção contra a doença. Nasceu daí um movimento internacional para a criação de escolas ao ar livre. A eficácia então demonstrada desta estratégia levou a que o conceito fosse replicado para os dias de hoje, em várias escolas no mundo inteiro.
1904: o ano em que a escola foi para a rua
O conceito de escolas ao ar livre foi lançado em 1904, na Alemanha. O pediatra Bernhard Bendix e o inspetor escolar Hermann Neufert abriram a primeira escola ao ar livre, numa zona florestal, localizada em Charlottenburg, perto de Berlim. Frequentavam esta escola crianças que apresentavam riscos de contrair a doença em casa e também aquelas que apresentavam sinais de anemia ou desnutrição, situações que eram percecionadas como fatores de risco para desenvolver a doença. No total, a escola chegou a receber 250 estudantes.
A premissa era simples: ao usar os espaços abertos para lecionar, em contacto com a natureza, procurava-se fortalecer o sistema imunitário das crianças e, ao mesmo tempo, diminuir o risco de contágio. O que era inicialmente uma experiência localizada, transformou-se rapidamente num modelo internacional. Escolas da Bélgica, Itália, Inglaterra, Suíça e Espanha implementaram o regime ao ar livre e o modelo atravessou também o Atlântico.
A expansão e o sucesso do modelo das escolas ao ar livre exerceram também um grande impacto na arquitetura moderna, com alguns dos conhecidos arquitetos e urbanistas da época – como Le Corbusier, o alemão Van der Rohe ou o finlandês Hugo Alvar Henrik Aalto – a projetarem edifícios como escolas, hospitais ou casas de habitação com características específicas para reduzir o risco de contaminação. Desta influência nasceram edifícios com superfícies lisas e brancas, mas também com janelas de grande dimensão para permitir o arejamento dos espaços e uma maior iluminação natural. Os hospitais e os sanatórios ganharam amplos terraços. Mesmo o mobiliário passou a ser desenhado com formas aerodinâmicas para evitar a acumulação de pó.
Desta forma, o combate à tuberculose acabou por moldar a arquitetura moderna. “A história da arquitetura é a história das doenças infeciosas. Elas não podem ser separadas”, afirma, a propósito, Beatriz Colomina, arquiteta espanhola e autora do livro “X-Ray Architecture”, no qual aborda a interligação entre a arquitetura e a medicina.
As escolas ao ar livre nos dias de hoje
Com os progressos da saúde pública, o desenvolvimento de antibióticos e a diminuição dos níveis de mortalidade relacionados com a tuberculose, o modelo das escolas ao ar livre foi progressivamente abandonado. Mas não desapareceu totalmente. Vários países nórdicos adotaram, desde a década de 50, alguns modelos educativos baseados nas experiências em contacto com a natureza. Neste caso, o objetivo não era proteger as crianças de uma doença, como no passado, mas antes dotá-las das ferramentas necessárias para se tornarem adultos mais confiantes, resilientes e com uma maior capacidade para resolver problemas. Tudo isto através da promoção de uma maior ligação entre as crianças e a natureza.
Atualmente, com a pandemia de SARS-CoV-2, o tema das aulas ao ar livre voltou a ser discutido, como medida de prevenção da Covid-19. Várias escolas nos Estados Unidos fizeram experiências de ensino ao ar livre. Segundo dados da Natural Start Alliance, o número de programas escolares ao ar livre passou dos 250 registados em 2017 para 600 em 2020. Também a Dinamarca incentivou as escolas ao ar livre como parte da sua estratégia de reabertura dos estabelecimentos de ensino, após o primeiro confinamento em 2020.