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Entrevista: “As vacinas são eficazes contra todas as variantes que circulam em Portugal”

O que se sabe, à data, sobre a eficácia das vacinas Covid-19 em relação às diversas variantes do vírus? Celso Cunha, virologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT-NOVA), dá a resposta.

16 Jun, 2021
6 min de leitura

Em entrevista ao Imune.pt, o diretor da Unidade de Microbiologia Médica do IHMT-NOVA, Celso Cunha, explica qual a eficácia das vacinas Covid-19 contra as novas variantes do vírus SARS-CoV-2. O especialista realça ainda a importância do acesso global às vacinas, como forma de limitar o surgimento de novas variantes, mas também da necessária monitorização constante de novas mutações do vírus.

O que se sabe, até agora, sobre a eficácia das vacinas Covid-19 contra as novas variantes do vírus, incluindo a variante do Reino Unido (Alfa) e a variante indiana (Delta)?

As vacinas que estão em uso no nosso país são eficazes contra todas as variantes que circulam em Portugal, nomeadamente a variante Alfa e a variante Gama (variante identificada no Brasil). Há, contudo, algumas dúvidas em relação à eficácia da vacina AstraZeneca perante a variante Beta (identificada na África do Sul) e a variante Delta.

Em concreto, o que significa essa “eficácia”?

Que todas as vacinas aprovadas neste momento pela União Europeia – e que estão em uso em Portugal – têm atribuída uma eficácia de perto de 100% na prevenção de doença grave com hospitalização e da doença grave sem hospitação. Na doença mais ligeira, a eficácia não é geralmente tão elevada. Ou seja, mesmo com a vacina, é possível ocorrerem sintomas de doença ligeira. Esse não é, no entanto, um motivo de preocupação, uma vez que não há casos descritos de morte ou sequelas graves ou muito graves associadas a sintomas ligeiros de Covid-19. Em resumo, podemos estar seguros de que qualquer uma das quatro vacinas que estão neste momento em administração – Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen – são eficazes na prevenção dos sintomas mais graves da doença. O que ainda não tem resposta (e que só conseguiremos responder com tempo) é quanto tempo durará a imunidade gerada pelas vacinas. Essa é uma questão importante porque vai ditar a frequência com que teremos de ser vacinados…

É uma resposta que só será obtida com a monitorização de quem está vacinado…

Exato. Há que monitorizar as diversas situações ao longo do tempo. Isso está a ser feito, inclusive também em Portugal.

Continuaremos, no futuro, a estar suscetíveis a novas variantes?

Mesmo que estejamos todos vacinados, por exemplo, na Europa e nos Estados Unidos, iremos continuar a estar suscetíveis a variantes que vão surgindo onde a população não foi vacinada. E essas variantes surgem, sobretudo, em países onde a doença tomou um caráter descontrolado devido às políticas de saúde pública. Incluindo a variante do Reino Unido, surgida, na minha opinião, em consequência de um elevado número de indivíduos infetados e de uma resposta tardia do governo britânico à pandemia. Globalmente, foram detetadas muitas mutações do vírus, mas as que são mais preocupantes – como as da Índia, Reino Unido, Brasil e África do Sul – são as que são mais transmissíveis ou que provocam doenças mais graves. Mas vamos assistir, com certeza, ao surgimento de novas variantes preocupantes noutros locais do planeta, enquanto a população mundial não for toda vacinada. Não nos adianta a nós, europeus ou norte-americanos, estarmos vacinados eficazmente contra as variantes conhecidas, porque depois vão aparecer variantes noutras geografias para as quais as nossas vacinas podem não ser adequadas.

É imprescindível, então, que haja um esforço global de vacinação, à escala global?

Sim, daí que a Organização Mundial de Saúde já tenha alertado – e bem – para a necessidade de distribuição igualitária de vacinas por todo o mundo, tendo criado até uma task force nesse sentido. É particularmente importante garantir esta distribuição nos países de renda mais baixa, que não têm acesso devido às carências económicas e a frágeis sistemas de saúde. São países que, já por si, possuem poucos meios de testagem e que não podem comprar qualquer vacina.

O que acontecerá caso surja uma nova variante do vírus para a qual as vacinas em uso não sejam eficazes?

Depende muito do tipo de variante. Se for uma variante mais transmissível e que terá tendência a prevalecer em relação às outras em circulação, então vale a pena mudar a vacina. Se for uma variante com a mesma transmissibilidade, mas que causa uma doença mais grave, também será necessário mudar a vacina. Isso pode ser feito facilmente nas vacinas de ARNm (como as da Pfizer, da Moderna e outras que estão em fase de ensaio clínico) para as quais basta mudar a sequência de ARN e assim passar a produzir a proteína da espícula da nova variante. Mas nas vacinas do tipo da AstraZeneca ou da Janssen também é possível alterar. O que temos de saber é se uma nova variante é mais transmissível e com tendência a prevalecer. Nesses casos, teremos de mudar os nossos planos de vacinação. Se for uma variante que cause doença mais grave, mas que não seja mais transmissível do que as outras, a melhor resposta será, provavelmente, uma vacina que imunize contra as duas variantes.

Perante a emergência de novas variantes, é expectável que a administração das vacinas Covid-19 seja semelhante às da gripe: uma diferente a cada ano?

Ainda não sabemos. No caso da gripe, é muito evidente que temos de fazer isso, dadas as características do vírus. É um vírus que tem o material genético distribuído por oito segmentos diferentes e cada pessoa pode ser infetada ao mesmo tempo por mais do que uma variante do vírus, podendo surgir novas combinações. É preciso monitorizar muito bem. Além disso, a vacina da gripe é uma vacina pouco eficaz e não será possível obter imunidade de grupo. É um vírus que veio para ficar.

E no caso deste coronavírus?

Provavelmente o SARS-CoV-2 também veio para ficar. O que teremos de fazer é monitorizá-lo permanentemente, como fazemos com a gripe. E, provavelmente, teremos de adaptar as vacinas periodicamente. Mas ainda não sabemos, depende de como o vírus se modificar e evoluir. Teremos de estar muito atentos, em todo o globo, para perceber que mutações estão a surgir, de que tipo e se as vacinas que estão a ser administradas continuam a conferir proteção ou não.

Qual o risco que enfrentamos se essa monitorização for menos eficaz?

Se a monitorização global não for feita, corremos o risco de novas epidemias ou até novas pandemias. Daí que é fundamental estar atento e procurar respostas rápidas quando surgirem pequenos surtos relacionados com variantes que causem preocupação: limitar muito bem estes surtos e agir rapidamente. Era também importante que surgisse um medicamento eficaz contra a Covid-19, não só uma vacina, sobretudo para as pessoas mais vulneráveis. Seria um contributo adicional para responder à pandemia, embora fosse preciso também um nível adicional de monitorização: estar alerta a possíveis mutações resistentes aos medicamentos.

Fotografia por Ana Catarina Alves/IHMT