FC: Isso é muito evidente e temos testemunhos eloquentes no passado. Por exemplo, o surto de Ébola em África que colocou em risco os países mediterrânicos. Estes últimos rapidamente procuraram reagir, investigar, encontrar respostas. Só se enxerga a necessidade de fazer isso quando se é afetado, de alguma forma. É uma vergonha para a humanidade termos doenças negligenciadas em tamanha monta, até aos dias atuais. Porquê? Porque não há interesse da indústria farmacêutica. Porque não há interesse em investir em investigação. Porque, em geral, essas doenças só afetam países pobres.
FA: Exato, temos doenças que são negligenciadas por atingirem pessoas que não têm um poderio económico muito grande. Não só as doenças vetoriais, mas outras, como a tuberculose. Então não há grandes investimentos, porque não há visibilidade. Por exemplo, no Brasil convivemos com febre amarela há mais de 100 anos e convivemos com dengue há muitos anos também. Há muitos anos que já não trabalhamos com a hipótese de erradicação, mas sim com um objetivo de controlo, porque os vetores já fazem parte da fauna das cidades. Mas os investimentos em novas tecnologias acabam por ter poucos incentivos. Trabalhamos, aqui no Brasil, com tecnologias de há 40 anos. Todos os países que trabalham com doenças vetoriais usam tecnologias muito antigas. No final de contas, tecnologias antigas, com problemas antigos e resultados cada vez piores. Temos – e não só no Brasil – uma grande necessidade de investimento nesta área. Mas só quando alguns países mais ricos se sentem diretamente ameaçados com doenças de países mais subdesenvolvidos é que existe algum investimento. Aconteceu isso com a Zika, que ameaçou, de alguma forma, a reprodução humana e causou uma grande consternação no mundo inteiro. Mas já ninguém fala de Zika e de combater essa doença, assim que se percebeu que não ia ter grande impacto.
FC: Isto remete a uma questão que é extremamente relevante na área das políticas públicas de saúde: a questão das desigualdades. Se os países não se dispuserem a combater as desigualdades dentro dos seus territórios e globalmente entre nações, viveremos num mundo de desigualdades profundas. Um mundo que sacrifica a vida de muitos, especialmente daqueles que são mais pobres, mais vulneráveis e cuja vocalização de suas necessidades não encontra eco.